Especialista da psicologia positiva e ciência da felicidade explica como fica a saúde mental no contexto da pandemia

É fato que a pandemia do coronavírus impactou a nossa saúde mental – alguns em níveis mais elevados que outros. Mudança de rotina, isolamento forçado, trabalho remoto: são várias as questões que alteraram o nosso dia a dia e que, muitas vezes, geraram preocupações, estresse e angústias. E isso tem (e ainda terá) mais consequências: seja na saúde física, saúde mental ou nos relacionamentos.

“A saúde mental tem conexão direta com a física e emocional. A física foi impactada pelas limitações e a emocional pelas restrições nos relacionamentos”, introduz Gustavo Arns, professor de pós-graduação em psicologia positiva da PUCRS. Entre a abertura e fechamento do comércio, academias, limitações às áreas de lazer e dinâmicas diferentes no trabalho, a mudança na rotina foi inevitável. “Tudo isso trouxe restrições as nossas possibilidades de um exercício mental saudável”, diz.

Saúde mental e relaxamento


Gustavo explica que a saúde mental encontra espaço de relaxamento nas nossas atividades favoritas: cozinhar, tocar um instrumento musical, cuidar das plantas, passear com o pet, viajar… “É aí que acontece um relaxamento das preocupações, do estresse e da ansiedade – e isso ficou restrito. Para além disso, também surgiram outras dúvidas, como a questão da própria saúde, dos entes queridos, a situação econômica e a incerteza do que vai acontecer amanhã”, explica.

Os impactos da pandemia são muito severos na nossa saúde mental e, ao que tudo indica, e apesar da vacinação, continuaremos nos preocupando e tendo certas restrições. Daí a importância de colocar o autocuidado no foco na conversa.

A necessidade do cuidado com a saúde mental não é de agora. Desde 2014, a Organização Mundial da Saúde vem alertando para o crescimento dos índices de depressão. “Cuidar dela não é uma novidade, mas com o aumento desses números na pandemia, a doença fica mais escancarada, levando as pessoas a uma reflexão do que podemos fazer de diferente agora”, aponta Gustavo.

Relacionamentos


“Se eu estou afetado, todos os espaços que eu habito também estarão”, comenta o especialista ao perguntarmos se os relacionamentos afetivos e amorosos também sofrerão consequências. “Quando eu estou me sentindo bem, isto é, fisicamente saudável, emocionalmente equilibrado e mentalmente disposto, os meus relacionamentos acontecem de uma forma. Agora, quando eu não estou, isso se transporá para as minhas interações, o que pode acabar criando um ciclo negativo”.

Não à toa, os índices de divórcio durante a pandemia aumentaram. “O casal está impactado individualmente e o relacionamento, ao invés de ser uma fonte de energia, acaba se tornando desgastante”, diz Gustavo.

Solidão e solitude


Então, seremos mais solitários? Não é bem assim. O especialista aponta que existem dois lados: “A tendência de um certo comodismo digital : se eu posso fazer isso online e da minha casa, por que eu vou sair e me estressar no trânsito? Essa redução do contato físico, social e afetivo sim vai trazer efeitos que nós ainda não sabemos. Mas, por outro lado, depois de experimentar o estado remoto que não era comum, pode ficar mais evidente o quanto nós realmente gostamos de socializar e, a partir daí, teremos uma nova relação no ambiente social”. Por de todas essas questões está, no fim, a forma como cada um se enxerga dentro de um relacionamento e com o que está acontecendo.

Aqui, também existe a distinção entre solidão e solitude. “Solidão é estarmos realmente sozinhos e sentirmos essa carência. É o estado de solidão que nós entendemos como negativo e que tentamos evitar a todo custo. Enquanto a solitude é esse espaço que nós estamos sozinhos, mas acompanhados de nós mesmos. Pode-se dizer que é o tempo de qualidade que nós passamos conosco e que é muito importante para o desenvolvimento da resiliência”, explica Gustavo.

Ciência da felicidade


A pergunta que nunca quer calar é: dá para ser positivo em tempos de pandemia? E, para Gustavo, a resposta é clara: “ser positivo é um ato de resistência”. O especialista explica que a psicologia positiva estuda o lado positivo da vida humana. “Não só a felicidade, mas também a criatividade, a resiliência, o otimismo e todos esses atributos e forças que podem ser muito úteis nos momentos de dificuldade”.

A chamada psicologia positiva surgiu em meados de 2000 e muitos autores se referiam a ela como ciência da felicidade. “Para alguns, isso continua, mas muito do impulso de popularidade – e até de ciência – que a psicologia positiva conseguiu, foi graças aos avanços da neurociência e aos avanços da compreensão das ciências das emoções. Então, alguns autores na academia hoje se referem a ciência da felicidade como esse campo multidisciplinar que tem três pilares principais: a psicologia positiva, a neurociência e a ciência das emoções”, conta Gustavo, que é especialista na área. E, para ele, apesar da nossa inteligência social estar talvez um pouco enferrujada, ela será retomada rapidamente – afinal, não dá para esquecer como se relacionar, né?

Fonte: https://revistaglamour.globo.com/Lifestyle/noticia/2021/10/psicologia-positiva-nos-tempos-de-pandemia-como-ficam-relacoes.html